sexta-feira, 27 de abril de 2012

cor

tem gente que é
como chuva de verão.
vem
molha
venta
tira tudo do lugar
e não fica pra contar
história.
mesmo assim
a gente quer
se encharcar
dessas pessoas.
sentir as roupas
grudando no corpo,
a água batendo no rosto
e esquecer do resto.
porque da chuva
que evapora
e das pessoas
que vão embora
sobra o
arco-íris.

ouvindo o mu(n)do

ninguém ouviu
– ou viu –
o despertar de um sonho
naquela noite fria.
mas entre o bater dos dentes
ele timidamente
nascia.
sem anunciação e
sem aviso prévio
tomava forma
na porta de um prédio
na Alameda Santos
– onde curiosamente
todos os santos
pareciam ter se reunido
pra assistir ao sonho
que estava vindo. –
naquele momento,
a realidade era pouca
fugaz,
limitada.
por isso nasceu o sonho,
pra deixar na boca
o gosto de uma realidade
inventada.
foi ali,
naquele minuto,
que sumiu toda física,
toda gravidade,
todo peso do corpo
e o mundo ficou
mudo.
foi então,
que eu pude
– pela primeira vez –
me ouvir melhor.
só quando silenciou-se
tudo.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

quando aquém vira além

o melhor
modo
de curar
o desejo
que ficou
é deixar,
até que ele
– sozinho –
deixe
a desejar.

des-deseje

o desejo
que a gente
tem
é o mesmo
desejo
que o desejo
tem
de ser
(da gente).
porque
pra que
ele seja desejo
é preciso
que a gente
deseje,
que a gente
nos deixe
desejar.
por isso,
por mais
que
se tente
mandar
embora
um desejo
não depende
só da gente,
depende dele
igualmente.

vide o verso

tem verso que
cai bem no papel.
cai suave
como se aquele lugar
fosse seu
(do verso)
e sem ele
(o lugar)
o verso não pudesse
ser
– e todo verso preso
tem pressa de ser
porque até ser
é presa de si –
e verso
que é verso
precisa encarnar
em qualquer coisa
que lhe dê sentido
ou que lhe dê
ouvidos.
o que o poeta faz
– ou tenta fazer –
é silenciar o mundo
para ouvir o verso
(por vezes mudo)
que sibila
em sílabas tônicas.
o poeta se empenha
– e é quase perito –
em transubstanciar
o verso que estanca
no peito,
no verso que estampa
a folha em branco.
porque o poeta sabe
que só ele
dá vida ao verso
e vice-versa.

sua voz

tem voz
que quando soa
a gente sua

segunda-feira, 23 de abril de 2012

tudo vai virar poesia

poesia é a forma
mais simples
– e mais intensa –
de existência.
tudo o que existe
já virou poesia.
até o que ainda resiste
vai virar um dia.

enconstrói

a cada encontro
você me constroi
por dentro

sexta-feira, 20 de abril de 2012

mangue

tem dias
em que a gente pisa
e o pé afunda
(porque precisa).
entra todo
no lodo da alma
e cria raízes.
nesses dias,
nessas crises,
eu me olho
lá no fundo
e reaprendo
a conviver
com o que
teoricamente
a gente
evita para viver
– ou vive para evitar –
sair dói.
e demora.
dói a demora.
mas não importa.
eu tenho calma
(eu ainda tenho alma)
e tempo de sobra
pra ficar,
até sobrar
do mangue
só o mar.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

momento-poesia

poesia é sentimento
e vice-versa.
é verso sobre verso.
como se cada um
fosse sedimento integrante
da rocha intrigante
que a gente traz no peito.
poesia é esse desprendimento
do que está incrustado
no âmago do que a gente sente
naquele dado momento.
e a gente precisa de sentimento
pra ser e
pra continuar em movimento.
logo, a gente precisa de poesia
pra viver e
pra perpetuar o sentimento.
porque a gente
só sabe que é,
com certeza,
quando sente.
senão a gente
só tem a ideia
de que é
sem ser
realmente.
portanto, pouco importa se faz sentido
ser feliz pra depois sofrer
(pra ser feliz pra depois sofrer de novo)
porque o sentimento entra sem bater
e bate a porta.
o que importa é ter sentido o gosto.
ter sentido o riso
fazendo cócegas no rosto
ou a lágrima inundando a alma.
por isso, digo aos racionalistas
e lamento:
sentimento não tem
que fazer sentido
tem que fazer sentir.
como qualquer coisa na vida
que ultrapasse o entendimento.
como qualquer momento
que um dia
foi ou vai ser
poesia.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

esse buraco

a gente sente
que sempre tem
algo que não tem
na gente.
a começar pela própria
ideia de faltar em nós
uma parte ou parte uma.
algo que parte
sem ao menos
ter chegado
em parte alguma.
um espaço indefinido
entre nós e nós.
algo que suspende
a vida antes mesmo
que a gente suspeite.
um buraco cheio de matéria,
energia,
silêncio,
sentimento.
uma ausência com essência,
cara,
rosto
e gosto
de preenchimento,
que nos segue e nos persegue
pelo lado de dentro.
a gente quer porque quer
expulsar do centro
esse vão, faça o que fizer.
mas como se elimina algo
que não se mostra?
que não se ilumina?
como se extermina um excesso
que peca por viver do avesso?
sobrando o mesmo tanto
que falta,
faltando o mesmo tanto
que sobra?
pra essa obra
não sei se tenho tato,
mas sei que tenho
tentado.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

fulgindo

quando longe
(de você)
a vida não fulge.
corre ávida
como quem foge.
e tudo vira meio,
quase,
metade.
como se eu fosse
só um pedaço de início,
sem fim.
mas aí você vem,
me envolve
e me devolve
pra mim.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

plenos planos tolos

esses planos longínquos
que os tolos vivem fazendo
muito me intrigam
e nada me comovem.
plenos são os gênios
que descobriram a magia do instantâneo
e vivem pílulas de vida
ingeridas sem prescrição
e sem preocupação.
porque, amigo, pode ter tudo
pode ter grana
pode ter gana
pode ter fé
pode ter o que quiser
mas muito se engana
quem pensa que a vida
vai ser
porque a vida
é.

esta poltrona

escrevo sentado
numa poltrona com capa.
um pano vincado
que gentilmente se propõe
a proteger o estofado.
então toda a vida
que já se sentou nesta poltrona
ficou retida neste pano.
contida em milhões e milhões de fios
de um tecido frio.
todos os fios de cabelo
que um dia caíram aqui,
todo calor desse corpo
que um dia residiu por aqui
ficou em suspesão.
viveu no intermédio
de uma membrana
50% algodão
50% poliéster
um dia ainda tiro
esse pano daqui e fim.
porque eu sinto que
mais que proteger a poltrona
ele quer proteger-me de mim.

do amor

e o que é o amor
senão este pulso
que nos vira do avesso?
que transforma víscera
em verso?
um organismo que come
nossas palavras
- todas elas -
e nos alimenta
como crias de si próprio
como extensões intensas
incrustadas e envoltas
por camadas e camadas
de placenta.
o amor pari pra poder viver
pra deixar de vir-a-ser
pois não se cabe
não se comporta.
precisa de rosto para ser
precisa de gosto para ver.
por isso, somos frutos
do nosso próprio amor.
polpa de sentimento
espremida e exaurida
até o caroço.
poupa desentendimentos
quem entende que amor
não é roupa
é pele
é célula
é núcleo
é gênese
amor é a menor
partícula de vida
inexistente a olho nu.
então não tente
ver o que é amor
porque se for
você sente.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Dorme

foi ontem que
ficou pra trás
o tanto que
sobrou de nós

no céu de abril
no véu que serviu
no teu seio frio

será que o tempo
entende? dói
porque ainda
tem de nós

no nó da gravata
no pó na gaveta
no nó na garganta

o tempo que
se renda, pois
eu quero
mais nós dois

na beira da cama
na banheira que chama
na vida inteira que espera

da qualidade de concretude

benigno antígeno
digno danificado
dignificado
ígneo finado
signo fincado
significado

terça-feira, 10 de abril de 2012

Ícaro

da cera
e do sol
só sobrou
o sal.
do que era
entre nós
o só
sobrou.
fiz como
Ícaro,
caí em mim.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

(eleva)dor

antes de entrar
verifique se a mesma
não se encontra
parada neste andar

quinta-feira, 5 de abril de 2012

partiu com parte de mim

tô à toa
desde quando
cê disse que não
tava na boa

que queria conversar
mais tarde
mas que amanhã
era tarde demais

agora teu nome
não me sai da boca
teu cheiro deitou
no meu travesseiro

sinto que não tem sentido
te esperar aqui sentado
mas toda vez que levanto
o coração pesa, ah, pesa tanto

liga logo pra por
de lado essa angústia
chega logo pra por
gelo nessa dor

quarta-feira, 4 de abril de 2012

susto/surto

o surto
de querer
ser
faz
sem querer
a gente
ser
no susto

terça-feira, 3 de abril de 2012

expectativa

perfeito.
a gente imagina
e tá feito.
magina.
antes fosse assim.
toda expectativa
tivesse o fim
que a gente pediu
que a gente previu
desde o começo.
mas o buraco
é mais embaixo,
mais no fundo.
muito mais profundo.
enquanto a espera
não acaba
a cabeça cava
à beça.
a cabeça
prega peça
e não há
quem impeça
que essa expectativa
cresça.
que a gente caia
na ilusão
de enxergar sim
no lugar de não.
o negócio,
meu irmão,
é se preparar
pro que der
e pro que
não vier.

domingo, 1 de abril de 2012

1º de abril

um dia todo
pros que mentem
o dia todo.
pros que metem
os pés pelas mãos.
pros que vivem
cruzando até
os dedos do pé.
pros que falam
e desfalam.
pros que nos
fazem desfalecer.
pros que vivem
mas nunca vão ser.
pros que têm várias caras
e todas duras.
pros que escondem coisas
porque nunca se acharam.
pros que fazem doer
o que a gente tem no peito.
pros que têm
o nariz comprido
e a perna curta.
pros que juram
de pé junto
mas vão acabar
sozinhos.
pros que se esqueceram
de lembrar.
pros que lembraram
e se esqueceram de dizer.
pros que cresceram
e ainda brincam
de esconder.
pra vocês,
o primeiro pedaço de bolo