segunda-feira, 30 de julho de 2012

destempos

o tempo não está
nos relógios
– como se pensa
de costume –.
está no clarão
das manhãs
num sorriso que relume.
o tempo está
sob os lençois
dos casais sob
a pele que a gente
dá ao sol dá aos céus.
o tempo está entre
os dedos entrelaçados
com os dedos
de algum alguém
num abraço apertado
daqueles que não se vive sem.
o tempo está naquilo
que a gente não vê a hora.
o tempo está
onde o tempo pára.

amor entre aspas

entre nós vibra um amor
que à sua volta afeta tudo
– inclusive move o copo d'água
sobre o criado mudo –.
um amor enérgico
que não aprendeu a se conter
(a se comportar)
por isso pediu nossos peitos
e resolvemos emprestar.
agora nos resta
viver tudo até as raspas
pra que um dia
quando forem falar de amor
peguem o nosso e coloquem entre aspas.

centro de gravidade

sinto que meu centro
de gravidade ganhou
teu rosto teu nome
e sobrenome.
é como se você exercesse
em meu peito tanto peso
tamanha pressão
que fosse o motivo pelo qual
meus pés se prendem ao chão.
– ao mesmo tempo basta
um beijo um toque
ou só você dizer que vem
pra me desprender do solo
e transformar tudo em nuvem
tudo em colo –.
pois a cada vez que você
se vai fica vindo
esta vontade repetida
de não soltar você
de não soltar a vida.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

despedida desmedida

mais
um dia
a menos.
a vida
é uma
despedida.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

em termos

deve haver algum engano
pra sermos menos
que nós mesmos,
sermos ermos sermos
menos que podemos ser.
em termos,
deve haver
deve haver algum engano.

se for, tem que ser tudo

entre quase e nada
a diferença
é de quase nada

clarão

um clarão se acende
com o teu sorriso
teu perfume
e leva embora a noite escura
(e seu frio negrume).
é como se dentro de você
cintilasse uma manhã de sol
amarelo-metálica
com o vento as brisas
e seu movimento
– que gentilmente penteia
os galhos e as folhas
das árvores –
com as gargalhadas das
famílias nos parques
com o vendedor de
algodão doce
– tão doce quanto
o canto dos bem-te-vis
que te veem bem por
isso cantam mais docemente –.
esse sol escondido em você
fulge lentamente
– e eventualmente –
escapa por entre as frestas
dos teus dentes
e vaza pelas brechas
dos teus olhos
– este clarão –
que chega a mim e me atravessa
aquecendo minhas células
num eterno verão.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

a inventar

um dicionário não diz
o que diz um silêncio a dois
um silêncio que manda a alma
deixar tudo pra depois.
e não diz não pelo silêncio
– em si
como ausência de som –
mas porque o verbo do peito
funciona de outro jeito
que não depende de fonemas
grafia pronúncia ou caligrafia.
o verbo do peito
deixa de lado a semântica
a sintaxe e os acordos ortográficos
pra deixar a vida acontecer
sem pedir licença
e sem depender
da natureza incompleta das palavras
e de sua presença.
pois da boca sai tão somente
o que se pode dizer
e muitas vezes ainda não inventaram
a forma falada de se dizer o que
sente.

poema morto

o poema
morre
no papel
pra (re)nascer
em alguém

terça-feira, 24 de julho de 2012

outro certo

certo reinventado
como planejei
tudo deu errado

segunda-feira, 23 de julho de 2012

o espaço

o mundo tem
espaço demais.
toneladas e toneladas
de uma feroz atmosfera
que reduz meus poucos quilos
e pouco mais de 1,70m
à cabeça de um alfinete
frente à infinidade deste
abismo mundano
que vive rodando sem sair
do lugar.
na rua fora da janela
lacunas e frestas de quase-vida
prontas para serem preenchidas
– nem que por apenas
uma vez –
pela matéria-prima
dos sonhos
– ou até mesmo
da rima –.
me pergunto:
de que me adianta
todo esse espaço
se o único que eu preciso
precisamente cabe você
e nem mais um cisco?

à/Dora

corpos colados
– tão colados
entranhados um
ao outro
enrolados –
que deu pra sentir
seu sangue circulando
seus órgãos funcionando
com calma
(deu pra sentir sua alma).
lentamente pedestres
ônibus carros trânsito
buzinas
– esse emaranhado
de barulhos esse
amontoado de matéria –
foi ficando de lado.
repentinamente
viver tornou-se mais simples
éramos só éramos dois
um só um nó.
sem mistério
ou qualquer significado
mais profundo.
pois naquele momento
a vida aconteceu
sem precisar
do mundo.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

poememória

um poema
não tem som,
mas se acerta o tom 
do teu peito,
logo vibra incandescente
e indiscutivelmente
ouves o efeito.
um poema também
não tem cheiro,
mas se eventualmente
traz em versos
uma flor e seu perfume
- talvez até uma moça
e seu perfume -
descola do papel um odor
impressionante e quase desconcertante
que embala o olfato numa viagem 
que nem mesmo a flor e seu perfume
e a moça e seu perfume
- de carne e osso e pétalas
e todas as partículas de perfume - 
puderam te imergir.
obviamente um poema
também não tem gosto,
mas inunda de água tua boca
- como um rio corrente
ou uma tempestade torrente -
se fala de fruta fresca se fala
de banquete.
um poema indubitavelmente
não tem mãos nem dedos nem braços
ainda assim te toca e te envolve
num longo abraço
- se por ti tem apreço -
ou te fura
te corta e te sangra
se por ti tem apenas pressa
e gana de ver tua pele aberta.
finalmente, um poema também
não tem imagem alguma
não traz fotos não traz focos
não é fotografia é pura ortografia
unidimensional e plana
puramente plana
todavia atiça teus olhos
- talvez até arrepie
teus cílios -
se te traz o nome do teu filho
se traz escrito e descrito
- com todas as letras
no papel -
as características de um rosto amigo
os adjetivos de um amor antigo
os substantivos do teu quarto.
um poema não tem som 
nem cheiro nem gosto
nem tato nem imagem
tem só um amontoado
de palavras e fonemas
que eventualmente já passaram
pela tua vida pelo teu ouvido
e despertaram teus sentidos,
talvez você tenha só esquecido.

foges do que?

no fundo
não existe
superfície

sexta-feira, 13 de julho de 2012

vai e volta

vai e volta
o passado tá preso
a gente que solta

quinta-feira, 12 de julho de 2012

voz da casa

a casa cresceu
sem aumentar
um metro um mísero
centímetro.
no sinteco
ecos riscos
do atrito entre
passado e presente.
embaixo do sofá
sob da cama
só pó
um par de tênis esquecidos
e nenhum pio
apenas a lembrança de dois pares de patas
que hoje habitam
- além do meu peito -
o vazio.

geografia do poema

o poema nada mais é
que a geografia
dos fonemas.
ante a folha em branco
desenham-se mapas
cartas de navegação
em direção ao desconhecido.
munido da bússola coronária
e caravela cerebral
o poeta passeia 
mapeia a latitude e a longitude
de cada palavra
e lavra o papel 
que ao tornar-se foz
- de sentimento 
e espanto -
ganha voz. 

a morte

é distante o mundo
dos mortos do mundo
dos vivos.
anos luz de escuridão
– num abismo
de sonho e
lamentação –
separam os que se foram
dos que ainda vão.
mesmo longe mesmo
distante quase a perder de vista
é como se morte e vida
se esbarrassem numa breve visita
– no milésimo
de segundo – em que nasce uma dor
(que não se explica)
trazida por quem vai
para quem aqui fica.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Hype

o pêlo branco
– brando de paz
branco de neve –
misturou-se às cobertas
confundiu-se ao edredon
na hora de dormir
por 11 longos – e hoje
saudosos – anos.
dói pois anoiteceu
ela dormiu
e cá estou eu.

a parte que fica

toda perda dói
toda partida parte
a gente igualmente
em pequenos pedaços.
cacos de nós
mesclados com os de quem se foi.
dói toda perda
toda partida
porque a gente sabe
que os mortos já não podem ouvir
– nosso coração
batendo no peito
nosso amor transformado
em verbo
em verso –
por mais que se tente
nem nós podemos ouví-los
– nunca mais –
igualmente.

amor canção

o amor que volta
nunca é igual
soa diferente
como uma canção antiga
que pelo tempo corrido
parece ter mudado de notas
de melodia
e ganho nova releitura
– com novas notas
novo arranjo
nova partitura –
mas eventualmente ainda
agrada-lhe ao ouvido.
aproveita então este amor que regressa
aproveita com gana com pressa
pois pode chegar o dia
em que ele suma e torne a voltar
mas não mais irá comover-te em dança
– ou agradar-lhe ao ouvido –
sua nova melodia.

de passagem

tudo passa
nada fica
quem explica

epide(r)mico

a paixão
é epidérmica
o amor
é epidêmico

terça-feira, 10 de julho de 2012

certeza madura

a vida traz umas certezas
sem hora marcada
nem data definida
pra acontecer
certeza que pega de surpresa
quando a gente
menos espera
quando a gente
achou que não era
mais pra ser
mas pra vida
promessa é promessa
se não foi concreto
da outra vez
vai ser dessa

quinta-feira, 5 de julho de 2012

flor hemorrágica

vai chegar um dia
em que nem a poesia
vai segurar
– e por que não
adoçar
com sua natureza
branda de cor anil
e sabor anis –
a amargura
que a vida
costura
ao nosso peito,
aberto
como uma flor
de pétalas vermelho-vivo
hemoglobínicas.
uma flor hemorrágica.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

amor antigo

como pode um amor antigo
manter-se vivo?
depende (apenas)
do meu sangue
das minhas células
e dos meus sentidos
pra que ele se mantenha ativo?
um amor antigo é um milagre
um sistema retroalimentável
auto-sustentável
algo como uma   
estrela que brilha 
- tão vívida - 
ainda que a anos luz de distância
brilha perto tão perto
dentro dos nossos olhos
mesmo depois de finda.
vai ver que amor antigo
é coisa assim: que já viveu
mas não morreu ainda.

a caso do acaso

o acaso é
justamente
aquilo
que a gente
achou
que não
vinha
ao caso.

por enquanto

um grito ou
um susto ou
o som dos ossos
em atrito.
do amor
eu quero
é isto.
o vergão
na pele
o verão
na alma
a faca
na carne
a marca
no cerne
no âmago
o frio
no estômago.
do amor
eu quero
a parte real
tão concreta
quanto o concreto
cinza e batido
do chão
a parte motriz
que circula
o sangue
que transforma
em mar
o mangue.
o resto
o sonho
o encanto
eu deixo
de canto
– ou para os
filmes hollywoodianos –
por enquanto.