sexta-feira, 28 de junho de 2013

duro

o que antes era
rosa e poesia
hoje é azia e prosa
o começo pode ter
champagne
e festa de abertura
mas no fim
o fim é o que
eternamente dura.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O que não tem volta nos obriga a ir.
Amar é abraçar pelo lado de dentro.
Amar é querer receber a mesma visita todos os dias.
A saudade é uma esperança que dói.

terça-feira, 25 de junho de 2013

o amor (do outro) acaba

O suco de manga ficou inteiro quando o amor acabou. Não descia, sabe? Ficou lá, na mesa. Quando o amor acabou. Tinha um amarelo tão vivo. Um amarelo-manhã-de-sábado. E ali, na presença daquele amarelo metálico, o amor acabou.

Ela pediu uma água e disse coisas. Um monte. Disse que a gente não se fazia mais bem. Que seu peito doía. Que era ficar sem mim que ela queria. Eu prestei atenção em algumas, porque seus lábios me confundiam. Eles se movimentavam de uma forma mais rápida que o normal. Com pressa. Ora saía som. Ora não. E a cada palavra somada à conversa, o amor ia acabando. 

Ela tomava um gole d'água pra molhar a garganta. E descansava um pouco. Nesses silêncios eu ficava olhando o suco. Amarelo ouro. Tão precioso. E intacto. Não dei nenhum gole. Só mexi um pouco, com o canudo. Senti como era espesso. Fibroso. Nutritivo. 

De vez em quando eu olhava nos olhos dela. Eles que falavam quando a boca estava muda. Falavam vazio. Escuro. Abismo. Eu tentava mergulhar pra trazê-los de volta. Mas só os afundava mais. E me afogava mais. E o suco de manga ali. Vivo. Completo. E o amor ia acabando, enquanto ela falava. E ela ia tomando a água enquanto falava. E eu olhava seus lábios se movendo mais um pouco. E eu me confundia mais um pouco. 

Não conseguia mais me prender à mesa. À cadeira. Não conseguia me prender a mim. Era como se eu estivesse voando ao contrário. Me enterrando vivo, sabe? Cada palavra dela era uma pá de terra. Eu fui sentindo a pressão no peito. Esmagando as costelas. E o amor ia acabando. E ela ia ficando mais leve. E tomava mais um gole d'água. Tirando um peso das costas. Um peso da boca. Gritando o peso das palavras. Seu alívio me pendurava âncoras na alma. 

E o suco de manga ali. Intocado. Hermético. E ela falando. E eu ouvindo. E ela mexendo os lábios. E eu mexendo o suco. Com o canudo. Com cuidado pra não derramar. Tentando entender o porquê daquilo tudo. Do nada. Porque sabe, ela me amava semana passada. Mas a semana passada passou. O amor passou. A água dela acabou. A conversa acabou. O amor acabou. Pagamos a conta.

A atendente perguntou se eu ia tomar o suco. Disse que não. Que podia levar. Daquele jeito. Amarelo, precioso, espesso, intacto, fibroso, nutritivo, vivo, completo, intocado e hermético. Igualzinho ao que eu carregava dentro do peito. Ela levou. O suco. O amor, não. Esse ficou. 

tatuagem

cada sorriso seu
marca
cada abraço
beijo de oi
cada mensagem
elogio
eu guardo
cada almoço
olho no olho
seus óculos
o jeito que fuma
parece mágica
como tudo isso fica
retido bem aqui 
no centro
você nem imagina
mas tem me tatuado
por dentro.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

o segredo é

criar expectativas
em gaiolas
com visitas
controladas
alimentá-las
apenas com
o necessário
e nunca torná-las
confiantes a ponto
de criarem asas
e confundirem você
com uma espécie
de casa.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

triste conclusão

viver é um ofício
nunca mais fácil
só menos difícil

sonho

tive um sonho
em que eu escrevia
sem parar
um poema
atrás do outro
dia após dia
até que
de repente
a vida toda
virava poesia.

juntos

dar uma rosa
e um riso
dar tudo
ou nada disso
ser do outro
parte integrante
e habitá-lo
tal qual um inciso
até ter a certeza
de nunca mais
ser indeciso

troca

tomar os problemas
do outro
como se fossem
nossos
e no fim ganhar
outra pele
para descansar
os ossos.

das menores coisas

a menor das solidões
não consegue
ser sutil
pisa como um elefante
que ao invés
de quatro patas
tem quatro mil
pesa como
um planeta errante
de rocha gelo e vazio
passa como o sangue
mais espesso
pelo mais fino funil.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

sumindo

a passos largos
se move a vida
com seus até logos
sempre de partida
tudo é coisa passada
feito o crepúsculo
que é uma luz
quase apagada
é o tudo
se transformando
em nada
o inteiro
virando metade
pois é lá
que a vida mora:
na saudade.

gelo

o amor acaba
no conforto
do inverno
e doi nos ossos
igual banho gelado
de manhã
doi dentro e fora
só pra doer dobrado
doi hoje e amanhã
encurta os cobertores
aumenta o apartamento
doi nos arredores
de todos os momentos
o amor acaba
no conforto
do inverno
e some com um pé
dos pares de meia
hiberna toda nossa disposição
e cria teias
nas esquinas do coração
o amor acaba
no conforto
do inverno
mais belo
e sua lembrança sempre queima
feito pedra de gelo.

aos quarenta

talvez lá pelos quarenta
a gente se veja de novo
numa esquina qualquer
na padaria ou supermercado
talvez você tenha engordado
e eu esteja com uma mulher
talvez você nem tenha mudado
e eu ainda tente entender
talvez você esteja com ele
(ou esteve sempre sem eu saber)
talvez você me veja
e finja que não
talvez eu que veja você
e continue olhando pro chão
talvez a gente se cruze
e você pegue a minha mão
talvez você me confunda
talvez não
talvez você seja mãe
e eu ainda more com a minha
talvez a gente se lembre do que tinha
mesmo tendo lutado pra esquecer
talvez a gente só se cruze
sem perceber.

carreto

eu mobiliei o peito
pra te receber
com flores e quadros
que mandei trazer

comprei sofá e mesa
pra tevê
e um monte de espelhos
pra te ver

se eu soubesse
o trabalho que ia dar
pra juntar tudo
e mandar retirar

teria perguntado
quanto tempo pretendia ficar
se tava de passagem
ou tinha vindo pra morar

se eu soubesse o tanto
que sei agora
teria te recebido
do lado de fora

sexta-feira, 7 de junho de 2013

palavra

toda palavra
é pouca
não tem olho
só boca
e se 
não dá 
pra olhar
não dá
pra acreditar.

terça-feira, 4 de junho de 2013

espesso

a dor é espessa
não escorre
entre os dedos
não se dissipa
nem se dilui
entope
toque-me
para transformar
em água
toda mágua
torpe.

Para Helga. Inspirado em Elena. E Guimarães Rosa.

quanto dizem os silêncios

você preferiu
ir embora
sem fazer barulho
foi aos poucos
de mansinho
antes de sair o sol
sem desarrumar
o lençol
rastejando pela margem
confundindo excesso de zelo
com falta de coragem
a ponto de me deixar
só um silêncio agudo
sem sequer pensar
que silêncios assim
(por si só)
dizem tudo.

sorriso universal

nada de dente
maxilar gengiva
e mandíbula
em você
essa limitada
anatomia
vira poesia
e só se vê
um sorriso
- que de tão
intenso e
profundo -
poderia sorrir
todas as bocas
do mundo.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

eu

esperando
o dia em que
voltarei a ser
minha melhor
companhia.

encaixe

gostava de vestir
meu corpo
com o teu
torná-lo
segunda pele
de mim
num encaixe
tão justo
que mal cabia
a ideia de fim.

formol

esquecer
tinha que ser
no ato na hora
morreu
foi embora
sem cerimônia
e canções
com acordes
bemol
sem insônia
e esse cheiro
de formol.